sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Esse é o ídolo colorado

Fernandão fala pela primeira vez sobre saída do Inter e alerta: "Estrutura é defasada"

Fernandão fala pela primeira vez sobre saída do Inter e alerta: "Estrutura é defasada" Fernando Gomes/Agencia RBS

Fernandão decidiu falar. Estava em silêncio desde a saída do Inter, no ano passado, antes do Gre-Nal de encerramento do Olímpico. Desistiu da carreira de técnico de futebol. E também do projeto de ser diretor executivo. Ao menos por enquanto, essas duas funções estão engavetadas para o capitão do Mundial de 2006. O Inter de 2012 deixou marcas em Fernandão. Ele conheceu um outro lado da bola e não gostou do que viu. Mudou-se de Porto Alegre, levou a família para Goiânia, pretende iniciar uma faculdade, onde se tornou sócio da Planalto Indústria, uma empresa que monta caminhões de lixo, que recolhem contêineres de rua. Cada veículo é vendido a R$ 250 mil. Muitos são exportados para a Bolívia, Angola e Congo. Fernandão passará a viajar para prospectar novos negócios para a empresa, no Oriente Médio, Ásia e norte da África.
Fernandão está feliz. Nessa entrevista a ZH, Fernandão fala sobre a sua decepção no vestiário colorado no ano passado, revela que não teve apoio da direção ao cobrar os jogadores e faz um alerta ao Inter: a estrutura do clube parou no tempo. E isso pode cobrar o preço no futuro. A seguir, os principais trechos da entrevista de Fernandão.
Zero Hora – Você decidiu abandonar o futebol?
Fernandão
– Tenho 35 anos e quero fixar residência em algum lugar, ter uma vida normal. Não quero ter que deixar a minha família em uma cidade e ir morar em outra. Fui procurado por três clubes depois que deixei o Inter, mas nunca houve acerto. Não quero ficar carregando a minha família de um lado para o outro, quero ter uma vida normal, com finais de semana. Sempre sonhei em ter uma empresa e não podia ficar em casa 24 horas por dia. O futebol me deu tudo na vida, jamais deixarei o futebol, mas chega uma hora que cansa. Estou muito feliz agora.
ZH – Você se decepcionou como executivo e, depois, como treinador do Inter?
Fernandão
– No futebol, você faz uma reunião à noite , quando acorda, de manhã, tudo foi mudado. Não trabalho assim. Tentei fazer um Inter vencedor de novo e não consegui, não aconteceu. Coloquei a paixão à frente da razão, me tornei muito colorado e você não pode colocar a paixão antes da razão. Torço para dois clubes: Goiás e Inter. E não me arrependo de ter assumido o Inter.
ZH – A histórica coletiva após o 2 a 2 com o Sport (o Inter levou 2 a 0 no primeiro tempo), quando você cobrou o vestiário e disse que alguns jogadores estavam na “zona de conforto”, acabou te derrubando?
Fernandão
– Fiz aquilo porque queria reação. E não estava conseguindo. Acho que a minha demissão não começou a ser construída somente pela entrevista, mas pela falta de experiência. Você fala aquilo e espera ter suporte. No dia seguinte, eu errei.
ZH – Errou por quê?
Fernandão
– Porque deveria ter reunido a direção e a comissão técnica e dito que a situação mudaria ou que eu sairia. Mas errei por ser conciliador e amigo de todos. Não consigo guardar rancor e aquilo custou a minha cabeça. Agi como torcedor apaixonado, quando deveria ter agido mais como treinador. Não sei se houve boicote do vestiário. Acabei ficando e aceitando uma situação que não poderia ser aceita. Também sofremos muito com lesões, convocações, muitas vezes jogamos com os terceiros reservas, além de ter o estádio sendo quebrado. Parecia que jogávamos no Coliseu em determinados momentos.
ZH – Você pediu as saídas de D’Alessandro e de Bolívar?
Fernandão
– Nunca falei isso. E sobre Bolívar… Eu banquei o Bolívar no time, no lugar do Moledo. Fui contra a vontade de muita gente da diretoria. Bolívar estava bem e merecia ser titular. Mas, em algum momento, você muda. Sempre respeitei ele. Mas Bolívar já não queria mais ficar no Inter e estava negociando a saída com a direção. Falei na inocência (que o zagueiro deixaria o grupo para realizar treinos físicos), pois havíamos combinado antes: comigo, com Bolívar e com Luciano Davi (então vice de futebol) e Giovanni Luigi. Talvez eu tenha falado em um tom mais elevado, ele me questionou, mas havia sido algo combinado. No dia seguinte, acertei a minha saída (20 de novembro).
ZH – Você foi demitido a duas rodadas do final do Brasileirão. Houve rumores que você seria boicotado pelo vestiário na última rodada, o último Gre-Nal do Olímpico.
Fernandão
– Não sei se haveria boicote no Gre-Nal. Talvez a direção tenha escutado algo e tenha ficado com medo. Mas fiquei chateado com a demissão e com uma pulga atrás da orelha. Fui demitido a dois jogos do final e, nessas partidas, o Inter somou apenas um ponto. Me disseram que era a hora de mudar porque precisavam algo novo para o Gre-Nal. Sei que as coisas não tinham funcionado como eu esperava, mas, até a coletiva após o empate com o Sport, o nosso aproveitamento não era ruim. Essas coisas cansam.
ZH – Você tem acompanhado o Inter?
Fernandão
– Muito pouco. Estava de férias, vi alguns poucos jogos. O Inter tem time e técnico, chegará ao final do ano disputando o título, mas o clube seguirá sem estrutura.
ZH – Como assim?
Fernandão
– A parte estrutural do Inter é muito defasada. O vestiário é o mesmo de quando cheguei, em 2004. Cadê a evolução? O Inter não tem um CT de clube campeão do mundo, não evoluiu nesse ponto. Sempre disse isso: o Inter é cheio de puxadinhos. O CT é um puxadinho. É uma vergonha. Fizeram de uma sala de musculação o novo vestiário. Será que não tem R$ 15 milhões para investir em um CT? O Inter ganha títulos porque tem gente muito boa lá dentro. Gente como Élio Carravetta, Adriano Loss, Osmar, Gentil e todos os roupeiros. Luís Anápio Gomes foi um cara muito importante também. A mentalidade de muitos lá dentro precisa mudar. Você faz comparações lá dentro e escuta: “É, mas eles não são campeões de tudo como nós”. Pega um cara desses, que é vitalício lá e manda para a Europa, para conhecer a estrutura dos clubes. Mudar a cabeça. Por favor, quando você para de ter grandes conquistas, o caminho para voltar é bem mais longo. Olha o que está ocorrendo com o São Paulo. Título sem estrutura não deixa legado. Não há futuro sem estrutura. O Inter tem um potencial muito grande, revela muitos jogadores, tomara que seja suficiente. Mas, para trazer grandes jogadores, é preciso ter uma grande estrutura. Não adianta trazer o Messi e não ter estrutura.
ZH – Você pretende voltar ao Inter?
Fernandão
– Só como torcedor. Quero conhecer o novo Beira-Rio, me sentar na arquibancada e torcer. É isso.

Fonte: ZH

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