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Os jogadores do Grêmio antes da partida contra o Santos em que Aranha foi insultado
Ricardo Graiche, um dos auditores do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva (STJD) que condenou o Grêmio pelas injúrias racistas de sua
torcida, compartilhou conteúdo preconceituoso no Facebook. A situação
surreal, revelada pela Rádio Gaúcha,
é só a pá de cal em mais uma decisão ilegítima do STJD, disfarçada de
combate ao racismo no futebol. Cada vez mais, o tribunal tem ganhado
protagonismo e imposto uma ordem seletiva e arbitrária capaz de piorar a
já lamentável situação do futebol brasileiro.
Muita gente boa aprovou a decisão do STJD,
como o colega Luiz Augusto Lima. Não faltam argumentos para tanto, uma
vez que o Grêmio merecia ser punido e a pena coletiva, ao clube como um
todo, é pedagógica. Em Porto Alegre, o goleiro do Santos, Aranha, foi
submetido a alguns dos mais clamorosos insultos racistas na história
recente do futebol. O clube gaúcho se mobilizou para buscar punições
individuais, o que é obviamente necessário, mas alguns de seus
dirigentes contemporizaram o espírito racista das injúrias, como contou o colega Bruno Winckler.
Ainda assim, é difícil defender a punição. Não só porque um dos
auditores do STJD acha engraçado comparar a cor da pele de um bebê negro
com refrigerante de cola, mas porque o tribunal como um todo é
ilegítimo. Apesar do nome e do tratamento que recebe de parte da
imprensa, o STJD não não passa de um tribunal de exceção. O STJD não
está ligado ao Judiciário, mas é parte do complexo da CBF-Globo,
o gerador primário de problemas no futebol brasileiro. O STJD, assim,
age como advogado da confederação, protegendo e perseguindo determinados
clubes conforme a possibilidade e o peso da cobertura da imprensa.
Em 2012, o Atlético-MG foi enquadrado pelo STJD após reclamar da arbitragem. No mesmo ano, diante de um clamor moralista e burro por conta de um gol de mão, o tribunal mudou a regra do futebol
e prejudicou o Palmeiras. No ano passado, em defesa do Fluminense, o
STJD rebaixou a Portuguesa. Agora, o tribunal volta a agir de forma
seletiva. Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo, o caso envolvendo Aranha foi o 12º de racismo no futebol brasileiro
em 2014. Nos outros, os culpados não apenas receberam penas mais leves
que a do Grêmio como obtiveram um alívio delas ao recorrer ao STJD.
A punição ao Grêmio foi, também, duplamente conveniente para o
complexo da CBF. Por um lado, o tribunal mostrou “força”, e fez isso em
cima de um time virtualmente eliminado da competição de que foi
excluído. Fez, também, em cima de determinados torcedores, claramente
culpados, é verdade, mas sem direito à defesa, o que é grotesco, e cuja
punição não será fiscalizada, como é óbvio. Ao mesmo tempo, a decisão
joga a tarefa do combate ao racismo sobre os clubes, isentando a CBF de
qualquer obrigação a respeito de ações que eduquem jogadores, torcedores
e clubes sobre o tamanho do problema. Com a punição do Grêmio, passa-se
a sensação de que “algo está sendo feito”, ainda que na verdade nada
tenha mudado.
A forma ideal de contornar essa situação absurda seria derrubar toda a
estrutura da CBF e, com ela, o STJD. Isso não vai ocorrer, no entanto,
devido à falta de coesão, interesse e competência dos clubes.
O resultado disso é que o combate ao racismo no futebol ganhou um
“fato” puramente cosmético, e o futebol brasileiro, depois do
rebaixamento da Portuguesa, ganhou mais uma tabela alterada pelo STJD.
Não são boas notícias.