As finanças do Grêmio em 2017 (Foto: ÉPOCA)
Romildo Bolzan Júnior colocou o clube no topo da América, mas ainda precisa equacionar seu futuro financeiro. Não haverá como passar de 2018 sem entrar no eixo.
RODRIGO CAPELO
Não há glória maior para um clube brasileiro do que vencer a Libertadores – há, claro, a conquista do Mundial de Clubes, mas a concorrência europeia é tão desleal do ponto de vista financeiro que tal vitória tende a rarear. O Grêmio chegou lá. Dirigido pelo técnico Renato Gaúcho, o time tricolor festejou o título continental com exibições de gala e só perdeu em Abu Dhabi para o Real Madrid de Cristiano Ronaldo. É o tipo de desempenho esportivo que motiva algumas conclusões automáticas no imaginário popular. A primeira: a performance em alta deve ter feito o clube arrecadar como nunca antes em sua história. A segunda: tanto dinheiro, administrado por uma gestão reconhecidamente profissional como a gremista, só pode ensejar mais algumas temporadas de bons resultados em campo. Vamos com calma. No mundo real, o presidente Romildo Bolzan Júnior fará a grande final de sua administração só agora, em 2018.
O faturamento tricolor foi mesmo o mais alto de sua história até aqui, com R$ 341 milhões arrecadados em 2017, reajuste de 5% sobre o que havia conseguido em 2016. O aumento se justifica principalmente pelo brutal aumento nas transferências de atletas, mais especificamente a partida do atacante Pedro Rocha para o Spartak Moscou no segundo semestre. Há mais pontos positivos. O departamento de marketing gremista fez bom uso da conquista da Libertadores e elevou a receita comercial, composta por patrocínios, royalties e licenciamentos, para mais de R$ 71 milhões. Também incentivado pelo marketing, o quadro social terminou a temporada com quase 100 mil sócios adimplentes e colocou mais R$ 67 milhões nos cofres do clube. Todas as linhas de receita cresceram na temporada mais recente. Só não se pode supor que a arrecadação em alta e as vitórias em campo resolvem toda uma gestão.
De modo a incentivar o desempenho da equipe dirigida por Renato Gaúcho, Romildo aumentou os gastos com remunerações do elenco no decorrer da temporada. Ao todo, foram R$ 159 milhões despendidos em salários, bonificações e direitos de imagem no ano, 39% mais do que o clube tinha investido no ano anterior. Os custos administrativos também subiram. Se o cálculo parasse por aqui, aquela arrecadação do parágrafo anterior pagaria todas as despesas e ainda deixaria um excendente considerável, que poderia ser usado para investimentos de olho na temporada seguinte. Mas o cálculo não para. O Grêmio tem um passado custoso. As despesas financeiras, majoritariamente compostas por juros sobre empréstimos bancários contraídos pelo clube gaúcho, consumiram mais R$ 56 milhões. E aí aquele excedente, que era grande, ficou pequeno. Romildo terminou o ano no azul, com superávit de R$ 2,7 milhões, porém não conseguiu saldar tantas dívidas quanto poderia.
No desfecho da temporada, o endividamento gremista ficou em R$ 333 milhões. Existem partes dele menos preocupantes, como a fiscal. Cerca de R$ 100 milhões, ou 30% do total, serão devolvidos ao governo federal por meio do parcelamento permitido pelo Profut nas próximas duas décadas. Desde que não atrase as mensalidades, não há o que temer. Mas existem partes mais graves. Há R$ 80 milhões emprestados de instituições financeiras, como Banrisul e BMG, dos quais R$ 67 milhões precisam ser quitados necessariamente no decorrer de 2018. Não é uma quantia trivial. Lembre-se que, além da dívida em si, estão embutidos no pagamento dela os juros mencionados lá atrás. Não há escapatória deste endividamento. No momento em que Romildo tomou a grana emprestada para resolver pendências na administração gremista, o presidente entregou aos bancos alguns de seus maiores contratos como garantia. O patrocínio do Banrisul, o contrato de materiais esportivos da Umbro e verbas da TV Globo foram comprometidos.
Ora, dirá o otimista, nada de novo. O Grêmio tem credibilidade e condições financeiras para "rolar" alguns desses empréstimos – no financês, "rolar" designa a renegociação para esticar o prazo para o pagamento. Mas a perspectiva financeira para 2019 não é das mais favoráveis. A partir da temporada que vem, mudará a maneira como a TV Globo faz os pagamentos do contrato de direitos de transmissão. A cartolagem do futebol brasileiro estava insatisfeita até pouco tempo atrás com a distruibuição das verbas da televisão, então pressionou a emissora, na última negociação ocorrida em 2016, para adotar um modelo de divisão famoso por ter funcionado no futebol inglês: 40% divididos igualmente entre todos, 30% conforme a posição na tabela e 30% de acordo com a audiência. Os contratos foram assinados. Tudo certo. O que a cartolagem não reparou, de modo geral, é que neste formato não há como a Globo repassar toda a verba no início da temporada. Como 60% da verba passarão a ser variáveis, a maior parte dos recursos só poderá ser repassada ao término da temporada, quando serão sabidas posições e audiências.
A mudança no pagamento dos direitos de transmissão forçará todos os clubes a adaptar seus fluxos de caixa – inclusive o Grêmio. Os desdobramentos para aqueles que não acertarem suas contas podem ser perversos. É por isso que Romildo tem responsabilidade em 2018 talvez até maior do que teve no vitorioso ano de 2017. As dívidas bancárias, sobretudo os R$ 67 milhões de curto prazo e os juros que virão com eles, precisam ser equacionadas nesta temporada para que o clube não se complique a seguir. Nada disso é exclusivo ao Grêmio. O futebol brasileiro inteiro passa pela mesma dificuldade. Mas cada clube está em uma posição diferente em relação ao seu endividamento. Tudo o que a conquista da Libertadores pode proporcionar o Grêmio aproveitou: as receitas recorrentes aumentaram, o time campeão continental começou bem 2018, inclusive com mais um título estadual, e a impressão de bonança se acentua quando comparada a situação tricolor com a do endividado e perdedor Internacional. Mas o desafio que se impõe não é banal.
Facilita a vida de Romildo a valorização do elenco que acaba de vencer a Libertadores e o Gaúchão. O meia Luan continua a compor o time profissional gremista, apesar das especulações de longa data sobre sua saída. Ele é um ativo valioso. Assim como é o volante Arthur, que tem atraído o interesse estrangeiro desde que contribuiu para o título da competição continental, inclusive com uma negociação que vai e vém com o Barcelona. Além deles, há o jovem Everton nas categorias de base com potencial para uma transferência polpuda. É claro que, para o torcedor que esperava ver todos esses jovens talentosos em campo atrás de mais títulos, esta é uma solução que embrulha o estômago. Melhor seria se o futebol brasileiro, como o europeu, tivesse finanças ajustadas para que a venda de seus melhores jogadores não fosse obrigada pela necessidade de acertar o fluxo de caixa. Mas não tem. Os clubes brasileiros cronicamente dependem da exportação de seus talentos para fechar suas contas. E o Grêmio neste caso não é exceção.
Se existe alguma outra alternativa para que o Grêmio equacione suas dívidas bancárias sem vender tantos atletas? Sim, existe. A Arena do Grêmio. Mas aí começa uma outra novela. Hoje, a situação é a seguinte. O estádio tem sido administrado pela OAS, que não o quer mais, e sacrifica os cofres gremistas de duas formas. Em primeiro lugar, toda a bilheteria das partidas fica para pagar a manutenção do empreendimento. Em segundo, o clube ainda precisa depositar cerca de R$ 20 milhões anuais na conta da construtora para compensá-la por outros custos. É por isso que, a despeito de tanto sucesso no aspecto esportivo em 2017, o faturamento gremista diretamente com a sua torcida só aumenta se houver incremento no número de associados. Vender mais ingressos não adianta de nada. Num cenário otimista, em que o clube assume a administração do estádio e passa a explorar suas receitas comerciais e principalmente com bilheterias, haveria como elevar seu faturamento a um outro patamar. Só que esta é uma novela cheia de nuances.
A diretoria de Romildo tem uma proposta praticamente formatada para assumir a gestão da Arena do Grêmio. A ideia consiste em manter pagamentos de cerca de R$ 20 milhões anuais à OAS, para que a empreiteira faça jus aos empréstimos bancários que tomou no momento da construção do estádio. Além disso, numa negociação que tem o Ministério Público estadual à mesa, o clube assumiria a responsabilidade de fazer benfeitorias no entorno da Arena estimadas em aproximadamente R$ 100 milhões. O poder público está em cima do negócio porque a OAS tinha assumido esse compromisso, mas não o cumpriu. E, obviamente, o Grêmio precisará dar conta das despesas do estádio, que ainda são desconhecidas em sua plenitude, mas são obviamente altas. Esta jogada só fará sentido para a administração de Romildo se a Arena do Grêmio tiver potencial de arrecadação superior a todos esses itens, para que se pague tudo o que é necessário e ainda sobre dinheiro para o futebol. É mais uma decisão que colocará o Grêmio mais próximo do equilíbrio financeiro em 2019, ou distante de vez.
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