Fernandão decidiu falar. Estava em silêncio desde a saída do Inter,
no ano passado, antes do Gre-Nal de encerramento do Olímpico. Desistiu
da carreira de técnico de futebol. E também do projeto de ser diretor
executivo. Ao menos por enquanto, essas duas funções estão engavetadas
para o capitão do Mundial de 2006. O Inter de 2012 deixou marcas em
Fernandão. Ele conheceu um outro lado da bola e não gostou do que viu.
Mudou-se de Porto Alegre, levou a família para Goiânia, pretende iniciar
uma faculdade, onde se tornou sócio da Planalto Indústria, uma empresa
que monta caminhões de lixo, que recolhem contêineres de rua. Cada
veículo é vendido a R$ 250 mil. Muitos são exportados para a Bolívia,
Angola e Congo. Fernandão passará a viajar para prospectar novos
negócios para a empresa, no Oriente Médio, Ásia e norte da África.
Fernandão está feliz. Nessa entrevista a ZH, Fernandão fala sobre a
sua decepção no vestiário colorado no ano passado, revela que não teve
apoio da direção ao cobrar os jogadores e faz um alerta ao Inter: a
estrutura do clube parou no tempo. E isso pode cobrar o preço no futuro.
A seguir, os principais trechos da entrevista de Fernandão.
Zero Hora – Você decidiu abandonar o futebol?
Fernandão
– Tenho 35 anos e quero fixar residência em algum lugar, ter uma vida
normal. Não quero ter que deixar a minha família em uma cidade e ir
morar em outra. Fui procurado por três clubes depois que deixei o Inter,
mas nunca houve acerto. Não quero ficar carregando a minha família de
um lado para o outro, quero ter uma vida normal, com finais de semana.
Sempre sonhei em ter uma empresa e não podia ficar em casa 24 horas por
dia. O futebol me deu tudo na vida, jamais deixarei o futebol, mas chega
uma hora que cansa. Estou muito feliz agora.
ZH – Você se decepcionou como executivo e, depois, como treinador do Inter?
Fernandão
– No futebol, você faz uma reunião à noite , quando acorda, de manhã,
tudo foi mudado. Não trabalho assim. Tentei fazer um Inter vencedor de
novo e não consegui, não aconteceu. Coloquei a paixão à frente da razão,
me tornei muito colorado e você não pode colocar a paixão antes da
razão. Torço para dois clubes: Goiás e Inter. E não me arrependo de ter
assumido o Inter.
ZH – A histórica coletiva após o 2 a 2 com o Sport (o Inter
levou 2 a 0 no primeiro tempo), quando você cobrou o vestiário e disse
que alguns jogadores estavam na “zona de conforto”, acabou te
derrubando?
Fernandão – Fiz aquilo porque queria reação. E
não estava conseguindo. Acho que a minha demissão não começou a ser
construída somente pela entrevista, mas pela falta de experiência. Você
fala aquilo e espera ter suporte. No dia seguinte, eu errei.
ZH – Errou por quê?
Fernandão – Porque deveria
ter reunido a direção e a comissão técnica e dito que a situação mudaria
ou que eu sairia. Mas errei por ser conciliador e amigo de todos. Não
consigo guardar rancor e aquilo custou a minha cabeça. Agi como torcedor
apaixonado, quando deveria ter agido mais como treinador. Não sei se
houve boicote do vestiário. Acabei ficando e aceitando uma situação que
não poderia ser aceita. Também sofremos muito com lesões, convocações,
muitas vezes jogamos com os terceiros reservas, além de ter o estádio
sendo quebrado. Parecia que jogávamos no Coliseu em determinados
momentos.
ZH – Você pediu as saídas de D’Alessandro e de Bolívar?
Fernandão
– Nunca falei isso. E sobre Bolívar… Eu banquei o Bolívar no time, no
lugar do Moledo. Fui contra a vontade de muita gente da diretoria.
Bolívar estava bem e merecia ser titular. Mas, em algum momento, você
muda. Sempre respeitei ele. Mas Bolívar já não queria mais ficar no
Inter e estava negociando a saída com a direção. Falei na inocência (que
o zagueiro deixaria o grupo para realizar treinos físicos), pois
havíamos combinado antes: comigo, com Bolívar e com Luciano Davi (então
vice de futebol) e Giovanni Luigi. Talvez eu tenha falado em um tom mais
elevado, ele me questionou, mas havia sido algo combinado. No dia
seguinte, acertei a minha saída (20 de novembro).
ZH – Você foi demitido a duas rodadas do final do
Brasileirão. Houve rumores que você seria boicotado pelo vestiário na
última rodada, o último Gre-Nal do Olímpico.
Fernandão – Não
sei se haveria boicote no Gre-Nal. Talvez a direção tenha escutado algo
e tenha ficado com medo. Mas fiquei chateado com a demissão e com uma
pulga atrás da orelha. Fui demitido a dois jogos do final e, nessas
partidas, o Inter somou apenas um ponto. Me disseram que era a hora de
mudar porque precisavam algo novo para o Gre-Nal. Sei que as coisas não
tinham funcionado como eu esperava, mas, até a coletiva após o empate
com o Sport, o nosso aproveitamento não era ruim. Essas coisas cansam.
ZH – Você tem acompanhado o Inter?
Fernandão –
Muito pouco. Estava de férias, vi alguns poucos jogos. O Inter tem time e
técnico, chegará ao final do ano disputando o título, mas o clube
seguirá sem estrutura.
ZH – Como assim?
Fernandão – A parte estrutural
do Inter é muito defasada. O vestiário é o mesmo de quando cheguei, em
2004. Cadê a evolução? O Inter não tem um CT de clube campeão do mundo,
não evoluiu nesse ponto. Sempre disse isso: o Inter é cheio de
puxadinhos. O CT é um puxadinho. É uma vergonha. Fizeram de uma sala de
musculação o novo vestiário. Será que não tem R$ 15 milhões para
investir em um CT? O Inter ganha títulos porque tem gente muito boa lá
dentro. Gente como Élio Carravetta, Adriano Loss, Osmar, Gentil e todos
os roupeiros. Luís Anápio Gomes foi um cara muito importante também. A
mentalidade de muitos lá dentro precisa mudar. Você faz comparações lá
dentro e escuta: “É, mas eles não são campeões de tudo como nós”. Pega
um cara desses, que é vitalício lá e manda para a Europa, para conhecer a
estrutura dos clubes. Mudar a cabeça. Por favor, quando você para de
ter grandes conquistas, o caminho para voltar é bem mais longo. Olha o
que está ocorrendo com o São Paulo. Título sem estrutura não deixa
legado. Não há futuro sem estrutura. O Inter tem um potencial muito
grande, revela muitos jogadores, tomara que seja suficiente. Mas, para
trazer grandes jogadores, é preciso ter uma grande estrutura.
Não adianta trazer o Messi e não ter estrutura.
ZH – Você pretende voltar ao Inter?
Fernandão – Só como torcedor. Quero conhecer o novo Beira-Rio, me sentar na arquibancada e torcer. É isso.
Fonte: ZH